Vivo nestes dias um torpor
sem igual, como se a Arca de Noé tivesse encalhado num qualquer mundo sumido da
Humanidade. Vivo tempos sombrios, quase surreais, numa sucessão de fatos
inéditos, desde os idos de fevereiro de 2020. Países com fronteiras fechadas,
economias praticamente paralisadas, um leve caos social como nunca se viu em
tempos recentes, provavelmente nem mesmo em tempo de guerra, um cenário que
raia o histerismo e que ainda nem sequer atingiu o seu pico mais fatídico. O
que será dessas pessoas em Abril e Maio quando se exaurirem os seus recursos
econômicos, o que será da sociedade?...
Adiada a Eurocopa, vários
torneios desportivos, até mesmo as Olimpíadas, paralisada a produção de muitas
empresas, como ficará o nosso futuro? O que nos espera lá mais à frente?...
Sobreviverei eu a tamanha agrura, nesta ansiedade crescente pela luta básica de
comprar e estocar alimentos, pagar serviços básicos e indispensáveis?...
Sinto-me confuso e atordoado,
mal refeito do ambiente soturno em que vivemos. Um planeta virtualmente parado,
de quarentena, confinado em casa e aguardando o lento evoluir de uma pandemia
cujos efeitos econômicos e sociais poucas vezes foram tão acentuados na
História como agora, a par da Peste Negra, da Peste Bubônica ou da Gripe
Espanhola, todas elas na Europa. Mas esta é uma pandemia universal, uma guerra
mundial insidiosa que se alastra em todos nós. Uma crise agoniante de quase
pavor, ante o descalabro financeiro imposto às empresas e corporações, na
iminência de um colapso mundial, enquanto governos lutam e se e esforçam para
trazer alguma segurança psicológica e emocional às sociedades. Enquanto isso,
bancos lucram, avarentos e semíticos, com a desgraça alheia, oportunistas
lançam mão de esquemas para ludibriar os incautos; famílias permeiam as suas
angústias com as suas carências. Temem-se saques, pilhagens e roubos com o
agravamento da situação, com a indefinição das atitudes. É amargo o sabor da
vida recolhida em quarentena, é a amargura sofrida do canário enclausurado na
gaiola ou do leão solitário num qualquer zoológico suburbano, longe das savanas
onde o vento selvagem sopra intrépido.
Mas o céu ainda é azul quando
se recorta no perfil da cidade com edifícios comerciais vazios, abandonados na
quarentena; o sol ainda brilha forte em ruas desertas, praças desertas, cidades
desertas. O vento ainda sopra afoito com o seu magnânimo fluir das emoções em
praias abandonadas à sorte dos elementos naturais. A própria Natureza se
encarregou de ocupar e preencher os espaços que a mão humana momentaneamente abandonou.
Só o silêncio ecoa, impávido e sereno, sobre as extensas superfícies de países
e territórios reclusos de um vírus, de um medo, de um pânico. No campo, ainda
se ouvem as máquinas agrícolas laborando incessantemente para obter a produção
agrícola que vai alimentar uma Humanidade presa em casa e que apenas pode assistir,
impotente, ao lento desenrolar dos dias e das semanas, enquanto se joga
pesarosamente no sofá ou se articula freneticamente em frente ao computador e
nos celulares, nas redes sociais.
O ano de 2020 mal começou
mas já assistimos a uma quase guerra entre o Irã e os EUA e ao ambiente
belicoso do conflito comercial entre os EUA e a China, com a troca de acusações
mútuas sobre a responsabilidade de um e de outro na propagação do corona vírus.
Assistimos agora a um planeta anestesiado por este torpor generalizado, por
esta estupefacção social, por esta ansiedade latente sobre o que fazer e como
fazer. Contam-se os mortos, sobram os vivos, desenham-se cenários e
perspectivas; para o futuro, para a História, ficará o episódio soturno de uma
Humanidade perdida que aos poucos se vai achando no caos social e sociológico.
Quando a noite cai, vão-se acendendo as luzes de novos conhecimentos, de
esperança em novas vacinas, e a Humanidade se reergue. Quando a noite cai,
acendem-se as luzes na cidade, ilustrando uma vida oculta e anônima, atrás das
janelas e das fachadas dos edifícios. Mas, por ora, só a Lua consegue iluminar
placidamente as ruas desertas, praças desertas, cidades desertas. Por ora, o
tempo ainda é vazio e a História incerta.
Mariano Mendonça Lopes