terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

PROSA - Excerto de Impressões do Mar

 As palavras correm pelo olhar como um carrossel de ideias. Juntam-se e se agrupam, formam multidões. E juntas caminham, cerram fileiras em nossos corações. As palavras são os nossos secretos confidentes. Às vezes, parece que conspiram os nossos sentimentos e esquematizam futuros de relacionamentos cruzados com amores e paixões, alegrias e tristezas. As palavras são os exércitos da leitura e a leitura me traz recônditas sensações, viagens sem começo nem fim, um não sei quê de viajar para pátrias mil que cessam quando se fecha o livro. Ler é para mim mais do que uma sucessão de palavras e frases, páginas e capítulos. É um mergulhar no infinito, como uma onda que morre na praia, na praia onde se estende a areia, a areia onde gravo o meu nome. Vem o mar e tudo apaga; recomeço tudo do início, fervilhando a mesma sequência: o mar, os desejos e as palavras.


MARIANO MENDONÇA LOPES [Excerto de Impressões do Mar, 2014]

PROSA - Excerto de Impressões do Mar

Eu canto a liberdade que trago incólume no meu peito, uma chama que não se apaga no tempo e que no meu olhar não conhece limites nem horizontes. Trago em mim a vontade de viver sem rédeas de opressão, sem mecanismos sociais que contenham ou cerceiem a vontade do meu espírito de viver, de pensar, de criticar ou de agir. Vislumbro na alma o ânimo que me provoca, que me ergue como a fraga no mar revolto, sobrepondo-me aos esgares anônimos de crítica, às impetuosidades que me atormentam mas que, como um gaivota audaz, ouso transpor pelas asas do meu destino. E vivo, na transcendente liberdade do caminho, sem berma nem cruzamento, na longa Estrada que me há de levar ao infinito para conhecer o Universo, desenhar contornos nas estrelas que se aproximam do meu horizonte e segurar nas minhas mãos, irreverente, um mundo que é só meu.

 

Há em mim rajadas de inconstâncias, açoitando a fragosa temperança do meu ser, desabando em tempestuosas inclinações ao maléfico profetismo da minha redoma, mesmo que eu sacuda violentamente tais espasmos bafejantes de idiossincrasias e procure devolver a paz de espírito ao âmago criador que embalo envolvente na ternura de uma madrugada cadente de bebida e inspiração. Refastelam-se as letras, embalam-se as melodias, saciam-se as sedes e a noite termina no aconchego da leitura. Ah assim sim, há paz de espírito neste homem.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES [Excerto de Impressões do Mar, 2014]

Prosa - Excerto de Impressões do Mar

 

Escrever abre janelas no horizonte das ideias; é um exercício de contemplação, a invenção do tempo que se desdobra nas páginas e nas linhas, nas emoções e nos fatos que avançam com o tempo, mas parecem mergulhar em inusitadas dimensões, em impressões oceânicas de vida, partilhando as aventuras do conhecimento humano com as mentes inexploradas e ávidas de novos sentidos ao sentido que escrever transmite, como uma luz que se abre no escuro e revela campos abertos de sensações, de rumos desconhecidos, de uma sabedoria que era só um sonho, mas que se constrói na realidade. Escrever tem o sabor de um beijo que a memória nunca vai apagar, de uma experiência que nunca se vai desligar, de um sentimento que se perpetua nos outros.


MARIANO MENDONÇA LOPES [Excerto de Impressões do Mar, 2014]

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Poema - A Caverna

A Caverna

 

Eu sou um lado de mim mesmo.

 

Todos os outros lados

Nunca existiram

Ou morreram porque cheguei tarde

Ao evento da vida.

 

Eu sou o lado que pôde existir,

Como a célula fecundadora

Que porfiou a vida.

 

Sou o lado que soube ser

Porque aprendeu a amar

Nas entrelinhas da vida.

Os outros lados não leram

Que a vida é sorte ou azar,

Esperança sem destino.

 

Eu soube ser um lado de mim,

O lado oculto de mim,

Porque ousei sair da caverna.

 

Todos os outros lados hesitaram...

 

E porque duvidaram,

Nunca existiram.

 

Eu sou o lado que acreditou

Que havia luz fora da caverna.

Os outros lados de mim duvidaram,

Zombaram de mim...

 

Eu sou o lado que acreditou em mim;

Todos os outros lados de mim

Me ignoraram.

 

Eu sou um lado de mim mesmo

Que nunca conheceu os outros,

Os outros lados de mim mesmo.

Na caverna onde vivi,

Havia lados que nunca viveram:

Deixei esses lados e fui embora.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES

Poema - Já escrevi muitos poemas

 

Já escrevi muitos poemas,

Escreveria outros também.

Os meus versos são a vida

E os meus poemas, também.

 

Já escrevi sobre a vida

E o que nela há, além.

Os meus versos são a despedida

Dos poemas que a vida tem.

 

A minha alma anda perdida

Com o sonho de ninguém.

Sonha curar a alma ferida

Que nasce em cada viagem.

 

E ser, qual rosa florida,

O símbolo de uma miragem.


MARIANO MENDONÇA LOPES