quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Poema - Pai

 Pai


Vejo-me em terras perdidas

Onde o olhar não alcançou visões.

No cais, inúmeras despedidas

De almas apartadas de corações.

 

Hoje, uma parte de mim se foi

Como talvez nunca tenha sentido,

Às vezes duro, às vezes herói,

Mas sempre farol quando eu andava perdido.

 

Sonhei esta noite sonhos violentos

De uma inexorável partida

Para saudar em seus últimos momentos.

 

Sem que o perceba, foi-se uma vida

Que estava em mim de sentimentos

A que eu nunca soube dar guarida.

 

27.09.2022

MARIANO MENDONÇA LOPES

domingo, 4 de setembro de 2022

Poema - Hórus

 Hórus

 

Quando o meu Sol chegar,

Um novo reino vai arvorar.

 

Quando o meu Sol chegar,

Uma grande pedra ele vai lançar

E toda a terra será mar.

 

Depois que o mar secar

Uma nova Terra irá começar;

Quando o meu Sol chegar,

Um novo mundo começará.

Iluminado pela força de Rá

Para ensinar a Humanidade.

 

E tudo viverá em liberdade,

Renascido depois desse Evento

Que a velha Humanidade deixará.

No novo Tempo, o meu Sol reinará,

Sem deixar de brilhar um só momento,

Sem se fazer anunciar.

 

Quando o meu Sol chegar,

Nada será como antes,

Quando o Sol chegar, em instantes.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES

sábado, 3 de setembro de 2022

Prosa - Impressões do Mar

 Vivi sempre a navegar; a minha vida é um cais de muitas partidas e poucas chegadas. Relembro deliciosamente saudosista as nostálgicas romarias diurnas e noturnas pelas marinas de Lisboa, inspirado nas velas cuidadosamente arrumadas, nos óvens e cabos batendo contra mastros, retrancas e vergas, sons inspiradores e cativantes sob a batuta do vento para uma alma que, como eu, desejava conhecer o mundo, soltar amarras e conquistar os mares, respirar esse mesmo vento marinho que tanta inspiração deu ao longo da vida a um pobre mortal como eu.


E foi a cirandar pelas marinas, cobiçando as silhuetas maravilhosas dos iates e veleiros, quais curvas sensualmente femininas, que eu imaginava o meu futuro, em que sonhava dias e noites cruzar águas cristalinas e quentes, cercado por corais, sob coqueiros languidamente debruçados sobre a água num mar que de tão azul-turquesa, acabava por cegar a minha lucidez daquele momento. E foi em lentos e persistentes passeios pelas marinas e pelas margens plácidas do Tejo que nasceram os planos, que se concretizaram as vontades e os sonhos que brotaram certa vez no hipnotizante azul de Sagres, o promontório onde o mundo acaba e os sonhos começam. No mesmo lugar onde o Infante havia sonhado novos mundos, eu imaginava-me singrando por essas rotas, transportado pela natureza absoluta que o mar eleva à condição humana.

Muitos anos depois, à beira-mar de Recife e Tamandaré, eu haveria de lembrar aqueles momentos únicos, aquelas ideias quiméricas que na altura pululavam de alegria, movidas quiçá por um desejo latente de ser mais alguém, um alguém que nunca conseguiria ser, preso a uma realidade que não me oferecia estímulos, que me deixava sem grandes expectativas. A minha vida sempre se escreveu direita por linhas tortas e se, outros caminhos trilhei, sem saber aonde me levavam, inconscientemente me deixaria levar, certo do bom porto, embora ignorante sobre que futuro se traçava no meu horizonte.

MARIANO MENDONÇA LOPES [Excerto do livro Impressões do Mar, publicado em 2014]