domingo, 24 de setembro de 2023

Poema - Margens dum Mar Menor

 MARGENS DUM MAR MENOR

 

O meu imenso oceano

É um rio com margens estreitas

Como as pulsações dum mesmo povo.

 

O meu oceano é um rio lusitano

Em cujas margens se fala português,

Feito de águas passadas, corrente de futuro.

 

O meu oceano é um mar de História,

Navega-se impressões oceânicas de dor,

Mergulha-se maresias de compreensão,

 

Parece que é tudo ondas de sabedoria,

Riachos de acontecimentos já muito vividos

Em profundezas abissais de mútuas desconfianças.

 

O meu oceano é um mar interior,

Inteiramente fechado pela alegria do povo

Que nele circula com o saber e a devoção

 

De transportar História, riquezas, vida,

Transportando contudo a incompreensão

De quem não soube pesar as caravelas,

 

De quem não soube contar os escravos

Ou as largas pepitas de ouro

Ou as madeiras exóticas da floresta

 

Ou ainda a cultura e os monumentos,

Os homens, as mulheres e as crianças

Que são a água e são a vida deste rio.

 

O meu oceano é um rio imenso de vida,

Soberano nas decisões, no presente e no futuro.

Mas continua a ser o mesmo rio

 

Em cujas margens se inventou uma nova era,

Em cujas águas se navegou o destino,

Em cujo sal se chorou o mundo.


MARIANO MENDONÇA LOPES

[Do meu livro, Peregrinações]

Poema - O meu sorriso é ver-te (para Karina)


O meu sorriso é ver-teE, de tanto te sorrir,
Aprendi a viver e a sonhar
Com as estrelas que moram
No teu coração.

O meu desejo é existires em mim
Para poder sonhar acordado
Sonhos que moram no infinito
E que vivencio, ao acordar.

De todas as manhãs do Universo,
As que passo contigo
São sempre eternas.

Felicidade é viver no paraíso
Que invento quando te vejo;

Tu és o delírio que nasce de mim.

MARIANO MENDONÇA LOPES
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Impressões do Mar - Excerto

 Impressões do Mar

Um pequeno rochedo na praia da Rocha, Algarve, submerso a pouco mais de um metro de profundidade, congestionado de vida multicolorida em que se percebiam algas de diferentes cores, ouriços do mar e outras micro-formas de vida igualmente extasiantes, foi a minha porta de entrada para o mundo submarino.

 

Ainda hoje, volvidos tantos anos e tantas evoluções, experiências inolvidáveis e outras realidades igualmente metafísicas e surrealistas, não esqueço jamais a intensa emoção de mergulhar a cabeça e descobrir, sob a superfície, linha divisora dos mundos, aquele mesmo rochedo que eu via fora de água sem tanta intensidade, mas que ali, mergulhado no elemento uterino, propiciava outra visão, enxergava um outro universo. E nunca mais a minha vida seria a mesma...

 

Pela vida fora, as imensas e abissais impressões na minha vida acabavam sempre por ter no mar a sua origem ou destino, numa perpétua narrativa cosmogônica ou escatológica de uma vida que, afinal, começara em frente ao mar.

 

Nasci e vivi sempre à beira-mar, como um destino que biblicamente se cumpre. Mas foi em África que tudo começou e quiçá acabou, antes mesmo de florescer completamente. Luanda viu-me nascer e germinar esse gosto salgado pelo mar, pela água quente, pela vida marinha que, paradoxalmente, eu só viria a conhecer muito mais tarde, em águas lusas. Mas também foi em Luanda que uma existência morreu, vítima dos atropelos da guerra, perseguido por dilemas e pesadelos, por imagens que persistem em viver coladas à minha realidade, aos meus anseios e aos meus projetos. A imagem da criança que sobe as escadas para o avião “Luis de Camões” e olha de relance o aeroporto à sua esquerda, nos idos de 26 de Agosto de 1974, permanece indelevelmente intacta até hoje, como vívidas permanecem as memórias de voltar a um mundo que jamais voltaria a ser meu, se alguma vez em insucessivas vezes logrou ser meu. Eu vestia um conjunto de jeans com muitas estrelinhas douradas e parecia que cada estrela daquelas seria um ano da minha diáspora até finalmente me reencontrar. Viria a reencontrar essa criança, muitos anos depois, do outro lado do mundo; quis o destino ironicamente que viesse a residir num outro local localizado sobre o mesma latitude.

 

Em Luanda eu nasci, num dia perdido como tantos outros do ano de 1967. Quando eu nasci, não houve cometas anunciando a minha chegada, nem Reis Magos trazendo presentes; não houve enxurrada de cartas para me desejar felicidade, nem um batalhão de jornalistas a cobrir o evento. Não havia mensagens postadas na Internet nem mensagens de boas-vindas pelo celular. Quando eu nasci, parecia mais um dia qualquer porque na realidade era um dia qualquer. Sem pompa nem circunstância, sem fogos de artifício nem paradas de honra, apenas uma equipe médica e a minha mãe saudaram a minha vinda.

 

A Baía de Luanda é um lugar privilegiado para quem teve o privilégio de a conhecer, de viver as suas praias, os seus aromas tropicais, a cerveja gelada convidativa no dia quente ou o mar parado insinuando um mergulho. Para mim, foi como uma realidade distante que quando parecia que se ia tornar realidade, a guerra transformou na ilusão, na dor da despedida e no grilho da partida.

 

Lisboa acolheu-me como uma madrasta que se esforça em amar o enteado, mas ressalvando sempre as diferenças de quem não saiu do seu ventre. Foi Lisboa que me criou, que me formou, que me fez homem no sentido crítico da palavra. O meu universo cognitivo, emocional, lógico e intuitivo nela se formou, grau superior e avançado que em outros locais haveria de conhecer pós-graduações, mas teve em Lisboa a sua base, os seus alicerces. Mentalmente, sou lisboeta mas o que o coração chama mesmo de casa é Cascais, onde morava grande parte da minha família paterna e onde eu me deslocava tantas vezes quanto as ínfimas possibilidades o permitiam. Cascais é a minha casa espiritual, o lugar onde o meu coração descansa em paz, onde a minha veia poética brota selvática, gorgolejante e aromática. É um outro clima, o clima próprio dos poetas e dos artistas, é um outro ambiente, o ambiente dos pintores e dos sonhadores, das almas perdidas que se encontram no universo, de Holandeses Errantes achados entre os mastros dos iates, entre as pedras das calçadas e entre os quadros dos palácios, onde o meu presente convive com um passado que jurou já ter vivido, embora eu não acredite em reencarnações...

 

Mas foi no Promontório de Sagres onde, certa vez, hipnotizado por aquele azul intenso de magia e de infinito, imbuído do espírito empreendedor do Infante que, pela primeira vez, se arvorou o desejo de viajar, de fazer vida fora de Portugal. O Promontório é um atiçante e estimulante convite ao sonho, a novas aventuras e a infinitas partidas. Geminado com o Cabo Canaveral, na Flórida, ambos são plataformas de partida, ambos são rampas de aventuras rumo ao desconhecido. De Sagres, saíram os desejos do Infante de singrar pelo mar distante e desconhecido de outrora; de Canaveral, sairiam, quinhentos anos após o Infante, as naves para navegar pelo espaço, fora da Terra, em busca de outras civilizações.

 

Foi pelo mar que eu vim parar ao Recife, embora transportado num batel alado, mas hipnotizado com aquela visão impressionante da ilha de Itamaracá, da praia de Boa Viagem ou da orla de Pernambuco que seduziu um turista mas, acima de tudo, um cativo de ideias e perspectivas para a cidade e para a região. Ainda hoje, mergulhado em infindáveis e quiçá incomensuráveis problemas, é à beira-mar, durante os meus passeios e caminhadas pelo calçadão, que repouso a mente, que evoluo e crio algumas ideias, alinhavando o futuro com o cenário constante do mar que vem até mim para me sugerir novos caminhos. Não há para mim nada melhor do que sentir a brisa marinha, ouvindo o alegre marulhar a vencer o som intrépido dos carros e a morrer na areia os embalos salgados de além-mar, de outras gentes e de outras gestas, talvez a pensarem e a idealizarem sonhos e a construírem realidades, tendo por testemunha fiel dos seus pensamentos a vastidão oceânica do que foi outrora o mistério e a lenda e é hoje em dia o destino de muitos.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES




AS FACES DE MAYA

Gênero: Romance

Tema: Romance/Esotérico/História/Religião/Filosofia

 

SINOPSE

As Faces de Maya é uma obra de ficção, baseada em fatos históricos e geográficos majoritariamente reais, cujos capítulos se estruturam de acordo com a Árvore da Vida cabalística, abordando temas relacionados com a História, a Filosofia e a Religião. A narrativa desenrola-se em torno de duas personagens principais, uma no passado e outra no presente, vivenciando experiências místicas e gnósticas, entre outros, em sete locais conhecidos como chacras planetários. Bryan é um bem-sucedido profissional do mercado editorial em Nova Iorque que recebe uma ligação proveniente de um parente seu em Portugal, dando-lhe a conhecer que seu tio Ernesto havia deixado de herança ao seu pai Constantino uma loja de antiguidades. Bryan viaja então a Lisboa para formalizar a cessão da herança; enquanto isso, recebe a notícia um projeto literário que o levará a viajar por alguns países para uma pesquisa editorial a pedido de um cliente. Ao mergulhar nos livros e materiais deixados pelo seu tio Ernesto, percebe um imenso conteúdo histórico de manuscritos antigos com textos relacionados à Gnose e a diversas religiões e se decide a conhecer alguns dos locais narrados pelo seu tio, um engenheiro civil que viajou a trabalho por várias regiões do planeta, tendo colhido impressões e experiências em diversos campos do conhecimento. Essas viagens constituem para Bryan, como o foram para o seu tio Ernesto, uma digressão no plano espiritual que o levará a um autoconhecimento profundo de si e à percepção de que tudo se interliga no passado e no presente em permanente evolução espiritual.

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Poema - Vejo-me envolto por hirtas sentinelas

 Vejo-me envolto por hirtas sentinelas

No fulgor de uma tempestade deserta,

Adentrando o meu sonho.

 

Parecem presas em dimensões paralelas,

Olhando para mim por uma janela aberta

Cogitando de quanto tempo disponho.

 

Parto então em busca de uma resposta

Que alivie o meu sofrimento,

Além do sonho que se inventa,

Que se exibe indomável e disposta,

Que se nutra, na fome e no alimento,

Que seja mais do que o que se experimenta.

 

Parto em busca do meu existir,

Esperando uma porta se abrir;

Parto, mas sem nunca partir.

 

No seio da tempestade deserta

Há uma resposta vazia e incerta,

Mas que no sonho aos poucos me desperta.

 

Agora, vou em busca de mim....

 

MARIANO MENDONÇA LOPES

domingo, 17 de setembro de 2023

Prosa - Excerto de Impressões do Mar

Um dia, eu vou morrer, soçobrado pelos anos acumulados, pelas doenças mal curadas, pelos sintomas mal sentidos. Mas que fique em mim um álbum intensamente vivido de emoções e sensações, de experiências inusitadas e de momentos plenamente preenchidos, vívidas e satisfeitas vontades em conhecer o sempre novo, sempre curioso, tenazmente corajoso. Que eu possa então regozijar-me pelos instantes sentidos, passados e vividos, deixados na alvorada das coisas belas e esplendorosas, de um perfeito conhecimento de fato, por ter estado aqui, por ter amado ali, por ter conhecido além; que eu possa então arvorar a causa da minha sabedoria, levantar o padrão dos meus conhecimentos, erguer convicto o lábaro das minhas opiniões, dizendo: “eu já estive aí”. E, então, só então, aquiescer tranquilo ao cântico das Parcas, embalado no letárgico descanso de Hades com o olhar atravessado de quem atravessou o mundo ou pelo menos tudo fez para lobrigá-lo. Enaltecer na minha biblioteca a mais-valia de um empirismo prático e pragmático, folheando retratos da vida e paisagens da Humanidade, capítulos do mundo nas páginas da minha existência e sorrir, embevecido, ao olhar a palavra pictagórica estampada no livro “eu já estive aí”. Que eu possa então recordar tais momentos contemplados de emoção, sabendo frutificar na memória comprimidos instantes de muitos outros instantes, remédio contra a senilidade e contra a debilidade, revivendo no olhar aquelas horas intensas de vida, coloridas por uma paixão incomensurável de viver, por uma sede fatídica de conhecer os fatos, de amar a vida como se de fugazes instantes se tratassem, destinados a não mais voltarem, a não mais se manterem vivos, amarrados a um passado do qual fazem ou farão parte daí a instantes. Um dia, eu vou morrer. Mas que tenha a certeza de ter vivido, de ter amado, de ter experimentado, de ter errado, de ter passado, de ter gozado, de ter tirado, de ter feito, de ter existido, defeito, imperfeito, mais-que-perfeito, sem jeito ou trejeito... Um dia, eu vou morrer sim, por ter vivido, por ter sentido, por ter ido, por ter voltado, por me ter acabado, por ter começado, por ter recomeçado, por ter perdoado, por ter dado, por ter recebido, por ter falado, por ter conhecido, por ter desconhecido, por ter caído, por me ter levantado, por ter esperado, por não ter chegado, por ter partido... Um dia eu vou morrer por ter vivido.

MARIANO MENDONÇA LOPES

[Excerto de Impressões do Mar, publicado em 2014]

Poema - Quanta sabedoria há


Quanta sabedoria há

Em não fazer nada.

 

Não ler, não escrever, não trabalhar,

Deixar a mente abandonada.

 

E poder então refletir

Sobre as coisas boas da vida:

 

Que o mero ato de existir

Já é uma dura vitória obtida.

 

Como é bom não fazer nada

Para viver a vida de forma intensa,

Sentir assim a alma levitada,

Raciocinar como o Universo pensa.

 

Às vezes, é bom até parar

Para perceber o ritmo da vida,

Ler a vida com o arguto olhar

De quem vê tudo como uma despedida.

 

Quanta sabedoria em poder sonhar

Que o Universo é a minha alma despida...

 

MARIANO MENDONÇA LOPES

Poema - 9a Dimensão

9ª Dimensão

 

Fecho os olhos e sonho.

 

Sonho estar em outra parte,

Uma parte que não é deste mundo,

Um mundo que não se divide, se reparte,

Em dinâmica, sem parar um segundo.

 

Um mundo que evolui de modo diverso

Do que se poderia imaginar.

Sonho que existo num multiverso

E neste mundo vou continuar a sonhar.

 

Fecho os olhos e invento um novo tempo.

 

Um tempo que não é presente,

Não tem passado nem futuro.

Não tem um relógio que o represente,

Um tempo que o Universo faz prematuro.

 

Um tempo que não tem minuto nem hora,

Um tempo que não se mede no espaço,

Mas numa dimensão que se desdobra,

Um tempo que eu sou e que faço.

 

Fecho os olhos e levito.

 

Já não faço parte desta dimensão,

Sou apenas um viajante astral,

Uma alma em permanente expansão

Que há muito venceu o Umbral.

 

Uma alma em perpétuo movimento

Na eternidade que me acompanha,

Um vislumbre que não é espaço nem tempo,

Uma novo Universo que se desenha.

 

Na alma sempre se guardará

A vida em contínua trajetória,

Para sempre gravando no DNA

As lembranças de existir na História.isHi

 

Abro os olhos e renasço

Os alvores de um novo ser

Na consciência do que sou e faço,

Na dimensão elevada em que vou viver.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES

sábado, 16 de setembro de 2023

Poema - Sigo por essa estrada abandonada

 

 Sigo por essa estrada abandonada

Que um dia surgiu em mim.

Não consigo ver mais nada,

Nem sei mesmo se tem um fim.

 

Sigo sem rumo nem direção,

Eu mesmo é que sou o sentido.

Sigo errático sem nenhuma proposição,

Apenas o facto de ter existido.

 

A minha alma é uma casa abandonada,

Nela residem apenas imagens;

Mora no meio de tudo, entre o nada,

É uma residência sem personagens.

 

Tudo na vida passa mas fica parado,

Quando passo por essa rua vazia;

Sou a vaga lembrança de um velho passado

Em que essa rua era a estrada da alegria.

 

No vazio abrem-se inúmeras portas

Como se fossem portais dimensionais;

Mas são apenas vielas tortas

Onde se cruzam destinos desiguais.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES