Acho-me
em manhãs cinzentas porque já me perdi em noites luxuriantes de mil prazeres
onde os devaneios se renovam em vazias certezas. Vejo-me insinuando nas curvas
da vida porque já me desabei em retas infinitas e o meu olhar perdeu-se onde
outros se aventuraram, com sucesso. Sinto a memória da dor porque a vida já me
infligiu as marcas da ilusão e das quiméricas aventuras de outrora, da utopia
de acordar pela manhã sonhos absolutos por inventar. Mas, fincado com os pés na
fraga imponente, ouso olhar o destino e enfrentar a natureza bruta das
incertezas e das angústias que me acompanham na vida. Sinto no olhar a
convicção da alma e a determinação das minhas vontades. Ouso ir mais além como
se enfrentasse o Destino nas margens plácidas das manhãs cinzentas que hei de
fazer colorir na aquarela dos meus sonhos, na paleta dos meus desejos, na
flâmula das emoções.
Já
fui brisa por entre tempestades medonhas, marola ausente na iminência da vaga
oceânica; já fui a gota de água fluindo vazia na corrente intrépida da
cachoeira ou a gota de chuva em plena monção. Mas acima de tudo, fui a vontade
que precedeu o sonho, a alvorada que criou o dia, fui a letra que se fez poema
e houve sempre em mim a audácia imberbe que a vida amadureceu, com o fulgor
pleno de conhecer a vitória muito além dos alvores da desilusão. Assim caminho
na vida e no pensamento na constância dos meus sonhos.
Quando
caminho, desinvento-me de mim. Na berma da estrada por onde o mundo passa, na
esteira da vida que prossegue e dos rumos que ela tece, quando caminho
desapego-me de mim e passo a interagir com o mundo ao meu redor, com a
realidade que me acompanha, passo a passo.
E
porque ando devagar, tenho tempo para refletir sobre o que realmente é
importante para mim, sem a pressa da vida que me cega a alma. Porque ando a pé,
carrego somente o que é necessário e vital, podendo assim discernir o que
realmente eu preciso para caminhar na vida, descartando o que é desnecessário
ou supérfluo.
MARIANO MENDONÇA LOPES
[Extraído da minha obra, As Faces de Maya]