sábado, 12 de dezembro de 2020

Poesia - Travessias

 Travessias

 

O silêncio de uma porta ausente

É o meu acesso à escuridão

De uma ombreira que não se sente,

De uma sombra que vaga sem imensidão.

 

A sombra esvai-se no chão, perdida,

E o meu olhar não tem contemplação.

Fica ausente à espera de vida,

Erra como todos, sem consolação.

 

A frieza do quarto fechado

É a agonia de viver dentro de mim;

Na ombreira da vida, tudo é passado,

Na sombra sem porta, tudo é fim.

 

A ambivalência que me trouxe aqui

É uma dualidade sem sentido,

O sentido que em mim jamais senti

Porque a minha dor era por ter vivido.

 

Na ausência do mundo que conheci

Só a sombra alcançou o porvir,

Mão aberta a que nunca estendi,

Olhar incerto pelo que há de vir.

 

Perco o presente sem ter o futuro,

A porta que se abre nunca existiu.

Um passado sombrio e inseguro,

Uma sombra fugaz que desistiu.

 

É uma porta que se fecha para a vida,

É uma ombreira vã, sem coragem.

Numa manhã incerta, sem despedida,

Numa manhã deserta, sem paisagem.

 

O silêncio da porta cruzou eras,

A sombra desvaneceu-se em fantasias,

Num tempo que ficou ausente, deveras,

Na lembrança apagada de outras travessias.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES