Vivi sempre a navegar; a minha vida é um cais de muitas partidas e poucas chegadas. Relembro deliciosamente saudosista as nostálgicas romarias diurnas e noturnas pelas marinas de Lisboa, inspirado nas velas cuidadosamente arrumadas, nos óvens e cabos batendo contra mastros, retrancas e vergas, sons inspiradores e cativantes sob a batuta do vento para uma alma que, como eu, desejava conhecer o mundo, soltar amarras e conquistar os mares, respirar esse mesmo vento marinho que tanta inspiração deu ao longo da vida a um pobre mortal como eu.
E foi a cirandar pelas marinas, cobiçando as silhuetas maravilhosas dos iates e veleiros, quais curvas sensualmente femininas, que eu imaginava o meu futuro, em que sonhava dias e noites cruzar águas cristalinas e quentes, cercado por corais, sob coqueiros languidamente debruçados sobre a água num mar que de tão azul-turquesa, acabava por cegar a minha lucidez daquele momento. E foi em lentos e persistentes passeios pelas marinas e pelas margens plácidas do Tejo que nasceram os planos, que se concretizaram as vontades e os sonhos que brotaram certa vez no hipnotizante azul de Sagres, o promontório onde o mundo acaba e os sonhos começam. No mesmo lugar onde o Infante havia sonhado novos mundos, eu imaginava-me singrando por essas rotas, transportado pela natureza absoluta que o mar eleva à condição humana.
Muitos anos depois, à beira-mar de Recife e Tamandaré, eu haveria de lembrar aqueles momentos únicos, aquelas ideias quiméricas que na altura pululavam de alegria, movidas quiçá por um desejo latente de ser mais alguém, um alguém que nunca conseguiria ser, preso a uma realidade que não me oferecia estímulos, que me deixava sem grandes expectativas. A minha vida sempre se escreveu direita por linhas tortas e se, outros caminhos trilhei, sem saber aonde me levavam, inconscientemente me deixaria levar, certo do bom porto, embora ignorante sobre que futuro se traçava no meu horizonte.
MARIANO MENDONÇA LOPES [Excerto do livro Impressões do Mar, publicado em 2014]