sábado, 3 de outubro de 2020

PROSA - Excerto de Faces de Maya

 

Há em cada olhar essa magia de viajar até ao centro da alma, revelando emoções, desabrochando paixões, encurtando mensagens que se alongam nos segredos, nos meandros submersos da mente. Em cada olhar, há esse despontar que apenas se torna viçoso àquele que sabiamente interpreta as emoções, as paixões e os segredos, que decifra mensagens nos subterfúgios da mente. Só quem sabe contemplar verdadeiramente o mundo tem essa capacidade de olhar, de entender o que há no outro sem que impere forçosamente o discurso das palavras, ferindo a autonomia da alma. As emoções são discursos vigorosos e um olhar vazio pode traduzir mais pensamentos do que todas as bibliotecas no mundo. Julgar um olhar, um pensamento, uma emoção é uma forma de colonialismo, de imperializar os seus sentimentos como se balizas fossem, em detrimento da visão de outros. Só quem já sofreu sabe interpretar um olhar e o que nele se contém, porque o olhar só se revela sorrateiramente, difuso, sem margem a definições nem azo a críticas; olhar é também uma forma de amar. Amar é apreender a imagem que há no outro, sem ferir o seu reflexo.


MARIANO MENDONÇA LOPES

[Extraído da minha obra, As Faces de Maya]

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