domingo, 31 de outubro de 2021

Prosa - Excerto de As Faces de Maya

 No banco do jardim onde me sento para relaxar a alma e afrouxar as vicissitudes e maleitas do corpo cansado, observo o rodopio das pessoas anônimas que passam despreocupadamente, das crianças que brincam desalmadamente, dos pássaros intrépidos que afoitamente vêm comer perto das pessoas que lhes dão comida, e constato o riso das pessoas que conversam entre si, e não entendo. Não entendo porque as pessoas riem, não entendo porque as pessoas sorriem umas para as outras. Riem de quê, sorriem porquê? Será isto um ato de presunção, de ironia ou apenas de uma malévola expressão de desprezo?... Não entendo o porquê de as pessoas quererem rir ou sorrir numa foto para eternizar um momento singelo das suas vidas... Será apenas a hipócrita manifestação de uma felicidade fútil e vazia, sem a constância da alegria manifestada deveras nos estados da alma?... Percebo que as pessoas riem e sorriem umas para as outras apenas para colmatar a lacuna existencial que lhes vai na alma, como se procurassem o remédio que vai curar as suas feridas emocionais, desprovidas porém de um conteúdo energético que lhes dê o vigor da alma. Riem porque são fúteis e não entendem o Universo; sorriem porque estão vazias de significado cósmico e perecem na insensibilidade do amanhã.

 

Vejo-as felizes, mas como podem elas ser felizes se existe o mundo? Como podem ser felizes, sabendo que há tantas coisas para aprender que nos fazem infelizes... O conhecimento é uma dor que nos liberta das outras dores. Mas o sofrimento persiste porque tudo é uma ilusão que nos faz infelizes, como se alguém jogasse um véu sobre o nosso entendimento das coisas. Nunca poderemos ser verdadeiramente felizes; ser feliz é ser ignorante acerca de tudo, é não ter o conhecimento das coisas, o que nos torna infelizes. Somente seremos felizes quando tivermos concluído esse ciclo de vidas, essa roda de Samsara. Enfim, quando tivermos evoluído para sermos seres de luz...


[Excerto da minha obra As Faces de Maya, publicado em 2021]

MARIANO MENDONÇA LOPES

sábado, 30 de outubro de 2021

Poema - Jardins Ausentes

  

Jardins Ausentes

 

As pedras no chão da rua

Já foram a minha passagem

Em busca da vida.

Hoje são uma ilusão nua

Do que era para ser uma viagem

E se tornou uma despedida.

 

Os candeeiros que estão apagados

Já iluminaram muitos destinos

Até que se extinguiram, de vez.

Já foram luz em tempos passados

Alumiando amores clandestinos

Que jamais perderam a timidez.

 

Os jardins hoje sem cor

Já souberam se encher de alegria,

De risos e vida em movimento.

Já viram crianças e muito amor,

Já inspiraram romance e poesia,

Já foram cenário de casamento.

 

Mas as pedras do caminho

Que atravessa esse jardim

Já não têm os candeeiros;

Nele, eu ando sempre sozinho

Procurando companhia sem fim,

Buscando amigos verdadeiros.

 

A pedras se soltaram do trajeto

E agora estão por aí dispersas

Em busca de alguém para as reconstruir.

Os candeeiros são um mero objeto

De finalidades controversas

Que desejam voltar a sorrir.

 

Esse jardim que não existe

Ficou sempre na imaginação

De um sonho que não tem fim.

É a vontade que a tudo resiste

De sonhar com uma forte emoção

Que a minha vida é um perpétuo jardim.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES

domingo, 17 de outubro de 2021

Poema - Partituras sem destino

Partituras sem destino

 

Há mares que vêm para bem;

Há portas que se acendem

Ao contrário da vida.

 

Há barcos que aportam

Sem destino nas velas

Porque o destino é vogar

Pelas entrelinhas de partituras

Desconhecidas.

 

Eu sou uma personagem da minha vida;

Na minha vida

Há muitas personagens

Que se iluminam de esperança

Porque os mares que se acendem

Aportam destinos desconhecidos

Que vogam em partituras de velas vazias.

 

Eu sou uma personagem sem vida.

Há muitas personagens sem a minha vida.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES