Só conhecemos bem as
nossas forças quando são elas tudo o que nos resta. Só aprendemos a sentir
quando a dor passou a ser a nossa referência e, na amargura de viver, sofrer
passou a ser o preço a pagar pela inconsequência de existir. Só conhecemos bem
o horizonte da dor quando tudo o mais deixou de fazer sentido e o vazio da
nossa vida nos fez sair da zona de conforto para nos encontrar em permanente
desafio com a consciência. Do passado ficou apenas a amarga recordação que a
leviandade deixou, por uma ausência de compromisso com o universo e conosco
próprios, desconhecendo por completo ou enxergando por uma visão míope que as
consequências atuam em função das ações ou omissões, de que tudo o que nos
acontece hoje ou amanhã é indubitável e inexoravelmente o resultado das nossas
ações no ontem, e que o âmago para o percurso de dor que vivenciamos e
partilhamos nessa nossa existência tem que ser visto em função e como resultado
de alguma existência num plano anterior. O Universo não é nem mais justo nem
mais injusto conosco do que é com os outros, apenas exerce a influência que nós
próprios geramos com as nossas ações ou a falta delas.
Foi interrompido nos seus
pensamentos pela voz do comissário que instruía os passageiros para o voo
prestes a iniciar-se. Iria ser uma longa noite e era necessário que todos se
acomodassem. Para Ernesto, porém, havia um só pensamento, que ele não sabia
esconder do seu coração: Elsa.
Armênio, porém, não havia
seguido a recomendação e olhou para trás antes de subir a plataforma de
embarque. Todos se haviam retirado, menos o velho Köller que segurava a mão de
Elsa, mantendo-se impávido, fitando demoradamente o Zeppelin, certo de
encontrar o olhar de Armênio e de Ernesto.
MARIANO MENDONÇA LOPES
[Extraído da minha obra, As Faces de Maya]
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