sábado, 29 de fevereiro de 2020

Poema - Psicografia do Futuro

 
Psicografia do Futuro
 
O grito do condenado jogado no chão,
O vazio imperceptível da dor,
A incerteza pérfida de existir,
Tudo isso agoniza a solidão,
Deixa-me num estado de torpor
Esperando sempre a hora de cair.
 
Não sei mais o que de mim sentir
Se é calado que permaneço atento
Quando a morte dilacera a alma
De tudo o que há por consumir
Até ao derradeiro momento
Em que morro, e tudo se acalma.
 
É uma psicografia sem emoção
Como se em determinada altura
A minha alma partisse aos quatro ventos
Na bonança trazida pela ilusão
De ter vivido na graça e na candura
Perpétuos vícios sem sentimentos.
 
Talvez um dia me ache na suposição
Da letargia de ter existido
Numa qualquer berma de estrada,
Uma vida já em decomposição,
Ideando um rumo sem sentido,
No caos que ficou uma vida inacabada.
 
Sinto-me condenado sem julgamento
Eternizando a dor dilacerante,
Perpetuando o destino de Sísifo.
Só a morte reina no pensamento,
Penso nela a cada instante,
Sem temor nem nenhum artifício.
 
Queria poder ser anti-social;
Odeio o mundo que me observa,
Sempre vendo como ajo e me sinto,
Achando que assim sou anormal
Ou que me porto de maneira diversa,
Ou que acham que apenas minto.
 
Não; o grito do corvo estridente
É um aviso do que vem.
Sonhar aplaca a minha dor
Mas é flagelo sempre presente,
Uma dor que ninguém tem,
Uma vida vazia e sem amor.
 
Erguem-se soturnos e derradeiros
Os espectros do meu passado
Que retornam a mim, amiúde;
Sonhos fugazes, mas verdadeiros,
Falam-me do que me deixou marcado
De um tempo agreste e rude.
 
O grito vazio do condenado
Já foi sepultado em vala comum
Até ficar esquecido, sem glória.
Tudo o mais ficou oculto, ignorado,
Sem ter destino nenhum,
Sem se aventurar na eterna memória.

 
MARIANO MENDONÇA LOPES

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