sábado, 29 de fevereiro de 2020

Prosa - Excerto de As Faces de Maya


Os outros buscam o poder, a fama e a glória, perseguem a felicidade e o dinheiro; eu busco a mim mesmo. Ávidos dos desejos materiais que lhes instrumentalizem a falsa percepção de felicidade, perdem-se no emaranhado ilusório que se evade das vidas e se eclipsa no tempo, e erram na vida em busca de fardos vazios, de volumes ocos, de uma coisa alguma sem matéria. Eu busco o conhecimento que se insinua nas veredas sinuosas da vida, que se entremeia nos edifícios singelos que a História plantou, que se acumulou nos diálogos perdidos das civilizações e em toda a filosofia dos sentidos. Busco conhecer a mim mesmo, do quanto eu fui e do quanto eu sou para vir a ser um outro que renasce em mim todos os dias, alumiado por esse archote do conhecimento que me vai alumiando o caminho. E o caminho é por aonde vou, naquilo que vou, na forma como vou. O caminho nasce quando eu ando, porque só a Via é eterna e é o Universo que me elucida sobre o melhor trajeto a seguir na vida, bastando apenas ser arguto e entender os seus sinais. Vivo, por isso aprendo a ser melhor; conheço, por isso aprendo a errar menos; medito; por isso aprendo a refletir sobre os mistérios do Universo.

 

Ando na chuva fria porque já caminhei no sol ardente e me delicio com os alvores do dia porque já sofri com a solidão da noite. Percorro a vida porque já enfrentei a morte e na dor da ausência há o amargo trevo da saudade de um tempo que não volta, de uma pessoa que não mais verei, de uma memória que passou e que agora se aloja no meu coração e vai descendo devagar e insinuosamente até alcançar a alma onde deveras se esconde. Sou um guardador de inúmeras e infindáveis memórias do mundo e que agora, porém, se recolhem à solidão de um quarto, de um mero aposento de vida de quatro paredes onde ainda viceja a felicidade que é viver, que é existir. Vejo o quarto onde moro e os objetos que nele permanecem, indiferentes à minha vontade. Mas estariam eles aqui se neles eu não pensasse, se deles não cogitasse a sua existência?..  Por tudo aquilo que vivi em toda a minha vida, em tudo o que senti, no amor e no ódio, na alegria e na dor, na saúde e na doença, deixei pedaços de mim espalhados por esse mundo, por pessoas que mal conheci e outras que, de tanto bem conhecer, parece que se apagaram das suas próprias vidas e apenas deixaram uma luz em mim, como uma estrela fulgurante piscando no céu a luz derradeira perdida há milhões de anos. “Por tudo aquilo que vivi em toda a minha vida, em tudo o que senti, no amor e no ódio, na alegria e na dor, na saúde e na doença...”, parece até que estou a fazer juras de amor no altar da vida, diante do sacerdote do Tempo ao desposar a minha vida e tudo o que ela me traz, como a noiva arrebatadora por quem todo o homem se apaixona.

 

O meu pensamento é caótico, tempestuoso e livre, transversal à evolução das coisas, como se buscasse ser a contramão de todos os sentidos. Percorro os meandros que a vida me coloca em labirínticos desafios, em busca de um sentido que dê a toda essa expressão catártica que irrompe abruptamente na minha visão, que me violenta sensorialmente para que eu consiga enxergar o que de mim se aparta, para que eu consiga perceber o que em mim se oculta, para que eu consiga, enfim, crescer exponencialmente na minha consciência, e na consciência de todas as coisas. Verifico que há tanto por aprender quanto na vida há por amar todas as coisas porque na expressão do amor se sente deveras a expressão do saber e do conhecer, como se um e outro andassem de mãos juntas em tormentos e sobressaltos para enfim se acharem num qualquer remanso da vida, celebrando a vida e o que ela nos traz na augusta sabedoria do prazer sensorial e, porque não, carnal.

MARIANO MENDONÇA LOPES
[Extraído da minha obra, "As Faces de Maya"]

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