sábado, 17 de agosto de 2019

Prosa - Conto


Raul amava o vento que sussurrava nas copas das árvores ou que perpassava pelas frestas das janelas, acendendo assobios dilacerantes nas noites impetuosas de tempestade. Era capaz de contemplar demoradamente o sinuoso balanço dos ramos, dançando harmoniosamente as sinfonias das intempéries ou, em tempos estivais, a cálida e preguiçosa brisa que mal conseguia convencer uma planta a se mover. Raul guardava sonhos como quem guarda ventos trazidos pela tempestade, como quem quer abraçar o vento para guardá-lo aconchegante e seguro na sua casa; enxergava os ventos como murmúrios confidentes que uma qualquer divindade lhe confidenciaria em demorados sussurros num sôfrego de inspirada iluminação interior; sussurros enigmáticos que ia decifrando no compasso da vida, uma Esfinge interpretada na leitura dos elementos, a paleta de vida que o sol tinge demoradamente nas sombras, e assim se passavam horas contemplando o jardim, abraçado à tecnologia e aos livros, assim a casa se fazia templo de um Universo onde o Tempo é mais do que a dimensão, é o silêncio da eternidade, é o  éter daquilo que É. Quando o vento se estendia inerte sobre as copas das árvores nos dias de calor pesado, Raul divagava longamente sobre a origem do ser, do Universo, de tudo, mas sem esquecer o momento presente que palpitava ali tão ardentemente em seu sangue jovem em ebulição de uma existência emergente. Voltava aos livros que lhe davam margem ao sonho selvagem da tempestade, viajando por jardins viçosos de nenúfares arrebatadores, de narcisos esvoaçantes ou de dálias brilhando loquazes na condição da Primavera.


[Extraído do conto "O Guardador de Ventos", da minha obra "Encontros"]

Um comentário:

Obrigado pelo seu comentário!