domingo, 21 de novembro de 2021

Poema - Poema da Solidão

Poema da Solidão

 

Quando a minha morte chegar,

O mundo não vai mudar.

 

Os dias continuarão a passar,

As pessoas a trabalhar

E a Natureza a se transformar.

 

Quando eu morrer,

Não deixará de ser dia

E a noite voltará.

Só eu deixarei de ser,

Serei apenas uma lembrança vazia

Que ninguém mais recordará.

 

Quando eu morrer, então,

Se apagarão aqueles instantes

Que guardo agora no coração

E tudo voltará a ser como antes.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES

domingo, 31 de outubro de 2021

Prosa - Excerto de As Faces de Maya

 No banco do jardim onde me sento para relaxar a alma e afrouxar as vicissitudes e maleitas do corpo cansado, observo o rodopio das pessoas anônimas que passam despreocupadamente, das crianças que brincam desalmadamente, dos pássaros intrépidos que afoitamente vêm comer perto das pessoas que lhes dão comida, e constato o riso das pessoas que conversam entre si, e não entendo. Não entendo porque as pessoas riem, não entendo porque as pessoas sorriem umas para as outras. Riem de quê, sorriem porquê? Será isto um ato de presunção, de ironia ou apenas de uma malévola expressão de desprezo?... Não entendo o porquê de as pessoas quererem rir ou sorrir numa foto para eternizar um momento singelo das suas vidas... Será apenas a hipócrita manifestação de uma felicidade fútil e vazia, sem a constância da alegria manifestada deveras nos estados da alma?... Percebo que as pessoas riem e sorriem umas para as outras apenas para colmatar a lacuna existencial que lhes vai na alma, como se procurassem o remédio que vai curar as suas feridas emocionais, desprovidas porém de um conteúdo energético que lhes dê o vigor da alma. Riem porque são fúteis e não entendem o Universo; sorriem porque estão vazias de significado cósmico e perecem na insensibilidade do amanhã.

 

Vejo-as felizes, mas como podem elas ser felizes se existe o mundo? Como podem ser felizes, sabendo que há tantas coisas para aprender que nos fazem infelizes... O conhecimento é uma dor que nos liberta das outras dores. Mas o sofrimento persiste porque tudo é uma ilusão que nos faz infelizes, como se alguém jogasse um véu sobre o nosso entendimento das coisas. Nunca poderemos ser verdadeiramente felizes; ser feliz é ser ignorante acerca de tudo, é não ter o conhecimento das coisas, o que nos torna infelizes. Somente seremos felizes quando tivermos concluído esse ciclo de vidas, essa roda de Samsara. Enfim, quando tivermos evoluído para sermos seres de luz...


[Excerto da minha obra As Faces de Maya, publicado em 2021]

MARIANO MENDONÇA LOPES

sábado, 30 de outubro de 2021

Poema - Jardins Ausentes

  

Jardins Ausentes

 

As pedras no chão da rua

Já foram a minha passagem

Em busca da vida.

Hoje são uma ilusão nua

Do que era para ser uma viagem

E se tornou uma despedida.

 

Os candeeiros que estão apagados

Já iluminaram muitos destinos

Até que se extinguiram, de vez.

Já foram luz em tempos passados

Alumiando amores clandestinos

Que jamais perderam a timidez.

 

Os jardins hoje sem cor

Já souberam se encher de alegria,

De risos e vida em movimento.

Já viram crianças e muito amor,

Já inspiraram romance e poesia,

Já foram cenário de casamento.

 

Mas as pedras do caminho

Que atravessa esse jardim

Já não têm os candeeiros;

Nele, eu ando sempre sozinho

Procurando companhia sem fim,

Buscando amigos verdadeiros.

 

A pedras se soltaram do trajeto

E agora estão por aí dispersas

Em busca de alguém para as reconstruir.

Os candeeiros são um mero objeto

De finalidades controversas

Que desejam voltar a sorrir.

 

Esse jardim que não existe

Ficou sempre na imaginação

De um sonho que não tem fim.

É a vontade que a tudo resiste

De sonhar com uma forte emoção

Que a minha vida é um perpétuo jardim.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES

domingo, 17 de outubro de 2021

Poema - Partituras sem destino

Partituras sem destino

 

Há mares que vêm para bem;

Há portas que se acendem

Ao contrário da vida.

 

Há barcos que aportam

Sem destino nas velas

Porque o destino é vogar

Pelas entrelinhas de partituras

Desconhecidas.

 

Eu sou uma personagem da minha vida;

Na minha vida

Há muitas personagens

Que se iluminam de esperança

Porque os mares que se acendem

Aportam destinos desconhecidos

Que vogam em partituras de velas vazias.

 

Eu sou uma personagem sem vida.

Há muitas personagens sem a minha vida.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES

domingo, 29 de agosto de 2021

Poema - Eu sou muitos eus

  

Eu sou muitos eus;

Vivo presente em cada um deles

Como uma realidade paralela

Que se projeta nessas personalidades.

 

Faço-me presente sendo diferente

Nos eus que me povoam

Entre paralelos de realidades

Em vidas que se projetam.

 

Não saberia ser singelo,

Não saberia amar sendo só um,

Apenas no plural eu acho belo

 

Os eus; seria apenas um lugar comum

Se não tivesse em cada eu o elo

Que me une a todos, sendo eu um.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES

sábado, 26 de junho de 2021

Poema - A Minha Deusa

 

 A Minha Deusa

 

Não foste o meu primeiro amor,

Mas és sem dúvida o derradeiro

Pois não encontrarei jamais

Outra mulher com tamanho valor,

Que seja um amor verdadeiro

Que nos faz assim tão sentimentais.

 

Não precisarei de outra mulher

Porque nenhuma conseguirá

Trazer essa tamanha felicidade,

Em nenhuma encontrarei sequer

O prazer que o teu amor me dá,

Esse amor assim de verdade.

 

Em nenhuma conseguirei achar

Um amor que seja tão profundo

E que me faça tão feliz.

Por isso, não preciso procurar

Outro Amor que seja no mundo

Porque tenho a Deusa que sempre quis..

 

MARIANO MENDONÇA LOPES

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Poema - Já morri muitas vezes

 

Já morri muitas vezes,

Quando as frustrações

Atearam angústias e receios

Pelas bermas da vida

Onde pousou o meu destino.

 

Já morri muitas vezes

Quando a dor de existir

Incendiou secretas aspirações

De uma vida emergindo

Do anônimo abandono.

 

Já morri demasiadas vezes

Que o carpir da alma

É já um eco retumbante

Nas bermas da vida

Por onde os meus sonhos ficaram.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES


Poema - O rio que passa na minha vida

 

O rio que passa na minha vida

É o fluxo enérgico de viver,

Arrastando com ele os sonhos

Que vão em intenso turbilhão

Apaziguar as dores de viver,

Mas sempre em sofreguidão

Para viver tudo intensamente.

 

É como um riso de alma despida

Que rasga a solidão das coisas

Num momento qualquer de solidão.

O rio que passa na minha vida

Inventou margens de vazio

E é um curso de emoções

Que vai dando vida à alma despida.

 

O rio que passa na minha vida

Arrasta sonhos por onde passa,

Destruindo margens mansas

Para se avolumar na imensa foz

De um imaginário fantástico

Onde a vontade soçobra na dor

E a vida é um estuário deserto.

 

O rio que atravessa a minha vida

Traz vontades e desejos,

Emoções e sensações brutas

Que se apagam na escuridão

Que o sonho em turbilhão ousou.

Querendo vencer a alma despida

Para viver em sofreguidão.

 

O rio que atravessa a minha vida

Alcançou o oceano infinito

Onde as almas se reúnem

No amanhecer de uma vida despida

Em estuários incertos e vazios

Em cujas margens crescem ocultos

Os sonhos vão de tanto viver.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

PROSA - Excerto de Impressões do Mar

 As palavras correm pelo olhar como um carrossel de ideias. Juntam-se e se agrupam, formam multidões. E juntas caminham, cerram fileiras em nossos corações. As palavras são os nossos secretos confidentes. Às vezes, parece que conspiram os nossos sentimentos e esquematizam futuros de relacionamentos cruzados com amores e paixões, alegrias e tristezas. As palavras são os exércitos da leitura e a leitura me traz recônditas sensações, viagens sem começo nem fim, um não sei quê de viajar para pátrias mil que cessam quando se fecha o livro. Ler é para mim mais do que uma sucessão de palavras e frases, páginas e capítulos. É um mergulhar no infinito, como uma onda que morre na praia, na praia onde se estende a areia, a areia onde gravo o meu nome. Vem o mar e tudo apaga; recomeço tudo do início, fervilhando a mesma sequência: o mar, os desejos e as palavras.


MARIANO MENDONÇA LOPES [Excerto de Impressões do Mar, 2014]

PROSA - Excerto de Impressões do Mar

Eu canto a liberdade que trago incólume no meu peito, uma chama que não se apaga no tempo e que no meu olhar não conhece limites nem horizontes. Trago em mim a vontade de viver sem rédeas de opressão, sem mecanismos sociais que contenham ou cerceiem a vontade do meu espírito de viver, de pensar, de criticar ou de agir. Vislumbro na alma o ânimo que me provoca, que me ergue como a fraga no mar revolto, sobrepondo-me aos esgares anônimos de crítica, às impetuosidades que me atormentam mas que, como um gaivota audaz, ouso transpor pelas asas do meu destino. E vivo, na transcendente liberdade do caminho, sem berma nem cruzamento, na longa Estrada que me há de levar ao infinito para conhecer o Universo, desenhar contornos nas estrelas que se aproximam do meu horizonte e segurar nas minhas mãos, irreverente, um mundo que é só meu.

 

Há em mim rajadas de inconstâncias, açoitando a fragosa temperança do meu ser, desabando em tempestuosas inclinações ao maléfico profetismo da minha redoma, mesmo que eu sacuda violentamente tais espasmos bafejantes de idiossincrasias e procure devolver a paz de espírito ao âmago criador que embalo envolvente na ternura de uma madrugada cadente de bebida e inspiração. Refastelam-se as letras, embalam-se as melodias, saciam-se as sedes e a noite termina no aconchego da leitura. Ah assim sim, há paz de espírito neste homem.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES [Excerto de Impressões do Mar, 2014]

Prosa - Excerto de Impressões do Mar

 

Escrever abre janelas no horizonte das ideias; é um exercício de contemplação, a invenção do tempo que se desdobra nas páginas e nas linhas, nas emoções e nos fatos que avançam com o tempo, mas parecem mergulhar em inusitadas dimensões, em impressões oceânicas de vida, partilhando as aventuras do conhecimento humano com as mentes inexploradas e ávidas de novos sentidos ao sentido que escrever transmite, como uma luz que se abre no escuro e revela campos abertos de sensações, de rumos desconhecidos, de uma sabedoria que era só um sonho, mas que se constrói na realidade. Escrever tem o sabor de um beijo que a memória nunca vai apagar, de uma experiência que nunca se vai desligar, de um sentimento que se perpetua nos outros.


MARIANO MENDONÇA LOPES [Excerto de Impressões do Mar, 2014]

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Poema - A Caverna

A Caverna

 

Eu sou um lado de mim mesmo.

 

Todos os outros lados

Nunca existiram

Ou morreram porque cheguei tarde

Ao evento da vida.

 

Eu sou o lado que pôde existir,

Como a célula fecundadora

Que porfiou a vida.

 

Sou o lado que soube ser

Porque aprendeu a amar

Nas entrelinhas da vida.

Os outros lados não leram

Que a vida é sorte ou azar,

Esperança sem destino.

 

Eu soube ser um lado de mim,

O lado oculto de mim,

Porque ousei sair da caverna.

 

Todos os outros lados hesitaram...

 

E porque duvidaram,

Nunca existiram.

 

Eu sou o lado que acreditou

Que havia luz fora da caverna.

Os outros lados de mim duvidaram,

Zombaram de mim...

 

Eu sou o lado que acreditou em mim;

Todos os outros lados de mim

Me ignoraram.

 

Eu sou um lado de mim mesmo

Que nunca conheceu os outros,

Os outros lados de mim mesmo.

Na caverna onde vivi,

Havia lados que nunca viveram:

Deixei esses lados e fui embora.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES

Poema - Já escrevi muitos poemas

 

Já escrevi muitos poemas,

Escreveria outros também.

Os meus versos são a vida

E os meus poemas, também.

 

Já escrevi sobre a vida

E o que nela há, além.

Os meus versos são a despedida

Dos poemas que a vida tem.

 

A minha alma anda perdida

Com o sonho de ninguém.

Sonha curar a alma ferida

Que nasce em cada viagem.

 

E ser, qual rosa florida,

O símbolo de uma miragem.


MARIANO MENDONÇA LOPES

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Poema - A Minha Aldeia

 A Minha Aldeia

Como eu invejo essas pessoas

Que nasceram em aldeias

E partiram para o mundo.

 

A minha aldeia é o mundo,

Pois foi lá que eu nasci

E nunca parti para nenhuma aldeia.

 

Nunca nasci em outra aldeia

Que não fosse o mundo;

Nunca apascentei ovelhas,

Pois os meus rebanhos

Eram as multidões das cidades.

 

Nunca moí farinha

Porque era a terra das cidades

Por onde passei.

Nunca voltei para a minha aldeia

Porque a minha aldeia

É o mundo onde eu nasci.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES 


terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Poema - Quando eu morrer, não chores por mim

Quando eu morrer, não chores por mim;

Lembra-te de quem eu era,

Lembra-te que éramos a Primavera

Neste nosso jardim.

 

Quando eu morrer,

Lembra-te, enfim,

Dos nossos sonhos de prazer,

Em que éramos apenas, assim,

Um desejo puro de viver.

 

Quando eu morrer, por fim,

Não chores por quem eu era.

Lembra-te que será sempre Primavera

Naquele nosso jardim.

 

Quando eu morrer, um dia,

Lembra-te que fomos sempre poesia.

 

MARIANO MENDONÇA LOPES


sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Crônica - O que eu vi em 2020...

 O que eu vi em 2020...

 

2020 foi o ano em que as ruas do mundo ficaram desertas, mas onde as casas se encheram de solidariedade. Foi o ano em que percebemos que os profissionais de saúde, de limpeza e os professores valiam mais do que artistas, apresentadores de TV ou jogadores. Onde as mãos que curam valem mais do que as mãos que oram nos templos frios de palavras vazias sem empatia nem solidariedade. 2020 foi o ano em que percebemos a duras penas que estar vivo é muito mais valioso do que aquela promoção pela qual tanto lutámos, o emprego que ferozmente ambicionámos ou o carro dos nossos sonhos e da nossa vida; foi o ano em que constatámos que o mais valioso bem material, a palavra espiritual mais caridosa ou o feito mais avançado de tecnologia nada valem quando comparados ao simples ato de respirar, de estar vivo. Precisamos apenas da solidariedade, de empatia e de fé para acreditarmos num mundo melhor onde nós somos os nossos melhores valores, sem querelas políticas. 2020 foi o ano que nos fez acreditar que o simples ato de respirar é uma felicidade que o Universo nos concede para refletirmos que legado queremos deixar aos nossos filhos. Para alguns, 2020 pode ter sido deveras o primeiro ano da Era de Aquário, pode ter sido o primeiro de muitos anos que nos farão refletir acerca do verdadeiro significado da vida. Seguramente, o ano de 2020 terá sido o derradeiro ano da nossa cupidez materialista, do nosso egoísmo tecnológico, das nossas vaidades niilistas. Gaia, o Planeta Terra, deixa-nos uma forte mensagem: estaremos condenados à extinção da raça humana se nada fizermos pelo planeta. O ano de 2020 foi o ano em que percebemos, se fosse assim tão necessário, que não somos fortes nem invencíveis, que não somos eternos e, principalmente, não somos os melhores em nada. Somos apenas meros mortais, sem importância nem distinção social. Não temos raça, não temos credo, não temos riqueza nem poderio tecnológico outro que nos diferencie uns dos outros. 2020 foi o ano que nos ensinou que somos apenas seres humanos, e só isso: 2020 enterrou a nossa soberba e exumou a nossa fragilidade...

 

Mariano Mendonça Lopes