quinta-feira, 4 de julho de 2019

Prosa


As palavras não precisam ser escritas para serem sentidas, nem precisam ser vividas para serem verdadeiras. Basta serem retratos da alma a que juram fidelidade. Tudo o mais nós mesmos construímos no dia que passa e vai arrastando emoções.

 
As imagens não têm que valer mil palavras para serem atuais, para terem a força de existir e contrariar o pensamento. Para serem imagens, apenas têm que nascer perante nossos olhos em prodígios de ilusão no mesmo filme quotidiano aonde vamos interpretar máscaras de realidade. Mas as imagens não têm o fascínio das palavras que lavram o destino de todos nós no destino de um só, o texto que se inaltera e permanece arrumado nas nossas vidas, nos nossos arquivos. Porque as palavras vivem em nós depois de mortos, enquanto as imagens morrem com os nossos olhos.

 
As palavras trazem os sentimentos no olhar de quem os vive, sentimentos que mergulham intrépidos num oceano de emoções, de ínfimas melancolias que o existir hoje pode deixar no amanhã, como as ondas que vão morrer na praia, arrastando algas e garrafas, madeiras e tesouros. As palavras esculpem sensações em metamorfoses delirantes, em devaneios sombrios, em contemplações vagas, sonhos que não se cumprem ou ambições desmedidas que ultrapassam o horizonte e já se querem instalar no futuro. Sentimos o afeto que perpassa na alma como um texto construído pela força das nossas ideias, pelo vigor dos nossos sentidos. Há almas despertas com o desabrochar resplandecente brotado pelas palavras nos nossos corações, há razões ocultas que o texto insiste em não revelar, palavras que não estão lavradas senão no segredo guardado por cada um de nós no recôndito espaço da sua mente onde as palavras trabalham desenfreadas para buscar um novo sentido à vida entre tantos outros sentidos que se parecem perder no tempo.


E por existirmos, e por lutarmos contra a indiferença do mundo, construímos textos em castelos de palavras, pétreas emoções que o tempo esculpe com o labor meticuloso de quem não tem pressa e procura apenas a perfeição. E no texto assim construído esvoaçam novos sentidos ao sentido original da palavra, novas emoções à comoção desperta pelo sentido da vida, aos olhares circunspectos que miram e contemplam cada uma das nossas interpretações, dos encaminhamentos que o destino dá ao vigor sensorial que as palavras constroem, projetando imagens de vida e de esperança num futuro que, ali parado, é apenas um esqueleto frio, desprovido de qualquer luz ou brilho, aguardando apenas o sopro da vida, o calor da felicidade. E é nesse oceano de intensas vigílias da nossa existência que guardamos maravilhados os sentimentos profundos que vamos transportar com a nossa mente pelo exercício fantástico e maravilhoso que as palavras emprestam ao nosso presente, à nossa condição humana.

[Extraído da minha obra, Impressões do Mar]

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