quinta-feira, 4 de julho de 2019

Poema - Totem

TOTEM
 
Clamam por mim,
Como quem chama pelo destino
Que já não vem.
Clamam, loucos, assim
Como se houvesse ato clandestino
Em não ser assim, ninguém.
 
E gritam, como condenados,
Entoando hinos de guerra,
Que as revoluções não passarão,
E morrem, sós e abandonados,
Na inútil luta por uma terra,
Amaldiçoando a sua geração.
 
Doidos morrem sãos, à nascença,
Na alvorada da tempestade
Brandindo os seus ideais,
Invocando a sempiterna presença
Dos deuses que forjam a Humanidade,
Desejando ser meros mortais.
 
Clamam por mim, cavernosos,
Vorazes e intrépidos,
Na sua lânguida vontade doentia
Por se sentirem tão poderosos
Em seus espúrios desejos fétidos
Com que arvoram a sua visão vazia.
 
As suas orações não brotam poder,
Palavras fúteis, corações empedernidos
Que bradam ao céu, impotentes;
Clamam sós ao entardecer
Valores vazios e corrompidos,
Alimentando hipócritas descontentes.
 
Eis que regressam, sedentos,
Das suas guerras de valores
Em questões meramente triviais.
Julgam-se justos, violentos,
Clamam por mim em seus temores,
Achando-se assim velhos imortais.
 
Urge o Tempo em seu fulgor
Sob o manto frio do Universo
Na relíquia intemporal do Espaço;
Ergue-se o lábaro, tingido de dor,
No cântico difuso e disperso
Da marcha do povo, passo a passo.
Orem os povos suas lucubrações,
Cintilem as espadas da vitória
Ensanguentadas pela Lei,
Abençoados pelo curso das religiões
Que apagam a fé da sua memória
No gesto da Justiça e da grei.
 
Jamais se deterão na sua vontade
De querer cumprir o destino,
Arvorar a plenitude do gesto,
Lançando o seu grito de liberdade,
Invocando na fé oculta do divino
O manto sagrado, pio e manifesto.
 
A liberdade é a criação
Que se acha no seio da tempestade,
Que enaltece a História
Saída dos grilhos da escravidão,
Reduzindo a escombros a Humanidade
Na senda da sua triste glória.
 
A mim, nobres gestos de outrora
Que nos livros se acham perfeitos,
Invocando a mitologia dos imortais,
Lavram no solo sagrado que se arvora
Relicários dos mais profundos feitos
Marcados a sangue, universais.
 
A mim esse chão sacro que se pisa
É a lembrança dos que por mim clamam
Quando a memória neles divaga;
Erguem-se quando a Morte por eles desliza,
Indigentes do Destino na contramão,
Olhando, frios, para além da escura fraga.
 
                                                                                     Mariano Mendonça Lopes


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