terça-feira, 9 de julho de 2019

Prosa


A Costa dos Esqueletos estende-se por aproximadamente mil quilômetros entre o sul de Angola e o norte da África do Sul, entre os rios Cunene ainda em Angola e o Rio Swakop, na Namíbia. Deve o seu nome não só aos imensos esqueletos de navios que soçobraram em tão medonha parte do mundo, como também aos diversos pescadores que se aventuraram, afoita e insanamente, e às tripulações perdidas e estraçalhadas após os naufrágios. A costa caracteriza-se essencialmente por ser móvel e em permanente deslocamento. As dunas sucedem-se na costa e afundam no oceano, erguem-se do leito atlântico penetrando a orla, em permanente construção e destruição. Onde hoje é praia, amanhã o oceano vai resgatar a sua parte. Onde hoje o navio ancora, amanhã poderá amanhecer em plenas dunas, cercado por um areal imenso onde o olhar morre e o pesadelo ainda nem começou; ladeado pela morte e pelos nevoeiros tenebrosos, os chamados cassimbos pela população nativa, resultado do ressurgimento da corrente fria de Benguela que assola em boa parte do ano. Já em terrenos transfronteiriços, é propriedade privada, dos olhares e da cobiça, por se tratar de área de produção de diamantes, tão abundantes que se poderia construir um castelo na areia e sentir aflorando nos dedos a pontiaguda riqueza dos diamantes brutos. Não tão brutos, porém, quanto o cano da arma que silencia a intrepidez alheia de quem ousar enxergar, que dirá então penetrar, tão agourenta propriedade para cobiçar o que seu não é.

 
Quando o diabo está à solta, as almas não têm escolha. Nessa parte do planeta, vive melhor quem já morreu e apenas contempla espetros. Aquele que observa os esqueletos, bem poderá amanhã ser ele o objeto de tão abjeta visão, alimentando a dor e o sofrimento do que padece em tão vil condição as derradeiras horas da sua malfadada existência. Os bosquímanos chamam-na de “terra feita sob a ira de deus” e aos olhos dos navegadores portugueses era apenas e tão só as Portas do Inferno.

MARIANO MENDONÇA LOPES
[Extraído da minha obra, As Faces de Maya]

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário!