quinta-feira, 11 de julho de 2019

Crónica - A História da Minha Vida


A HISTÓRIA DA MINHA VIDA

 
Completo nestes dias mais um ano de vida; sem grandes alardes nem grandes mistérios, sem queixumes nem azedumes, deixo o tempo passar como a areia que escorre entre os dedos, consciente de que já vi muito tempo passar, mas parece que tudo começou ontem...

 
Não me lamento da idade passar; assumo apenas que trago no corpo as marcas de uma vida intensa, aportando na minha mente a experiência vívida e vivida de várias décadas para final me aperceber de que, de uma certa maneira, me tornei testemunha da História. Procuro não fazer juízos de valor porque a vida me ensinou a valorizar mais e a julgar menos; afinal, os percalços que tive na vida, os acontecimentos de que fui testemunha, a minha própria narrativa me ensinaram que às vezes é bom andar devagar para poder caminhar distante.  Nasci num continente, cresci em outro e atualmente vivo num terceiro continente; hoje sou estrangeiro na terra onde nasci e, na terra onde vivo, sou equiparado aos cidadãos natos. Andei pelos cinco continente; pelo caminho, fui conhecendo culturas tão distantes quanto diversas. Dei praticamente uma volta ao mundo, e aprendi que há um pouco de tudo nos diferentes países por onde andei, nas diferentes comunidades que conheci, mas que afinal não somos tão diferentes quanto as nossas diferenças nos parecem fazer crer à primeira vista. Que a dor de viver é também a dor de amar, que a felicidade é eterna mas a alegria é volátil, um sentimento tão intenso quanto fugaz, e que é preciso viver hoje como se apenas tivéssemos o hoje, porque pode ser que efetivamente não haja amanhã, como não o houve para tantas vítimas de acidentes, de sismos, de violências...

 
Nasci no Verão do Amor daquele julho de 1967, da era dos sonhos loucos desmedidos da juventude de então, da filosofia hippie de vida do “paz e amor” com muito amor livre e sentimentos zen, mas vivi alguns dos piores conflitos pós 1945. Não me recordo do dia em que o Homem chegou à Lua, mas vibrei com todos os passeios dos ônibus espaciais, as conquistas do Espaço e as descobertas da Ciência, a aventura da informática e da tecnologia revolucionando as nossas vidas e mudando os nossos conceitos. Senti as agruras de uma guerra na terra onde nasci que culminou na destruição de tantos sonhos e ceifou várias vidas, acompanhei os tempos intrépidos da Guerra Fria e a ameaça que sobre nós pairava de uma guerra nuclear, o treinamento no caso de um ataque nuclear, estocar comida, água e pilhas e fugir para abrigos ao som da sirene, a queda do Muro de Berlim, o gingado perigoso da nuvem nuclear de Chernobyl deslizando sobre a Europa, o fim da era soviética e a pulverização do ódio entre as minorias, o início do sonho da União Europeia, o ressurgimento dos nacionalismos europeus e as limpezas étnicas na Jugoslávia, guerras entre judeus e palestinos, entre iranianos e iraquianos, entre aliados dos EUA e Sadam Hussein, a Tempestade no Deserto, a violência recrudescida saída da Primavera Árabe, Talibãs e Estado Islâmico, o 11 de setembro e as Torres Gêmeas e Osama Bin Laden, os tanques parados por um homem solitário na Praça de Tiananmen...

 
Assisti ao fim de tantas coisas e ao começo de tantas outras, sonhos que ficaram, que se desvaneceram, projetos que não vingaram, esperanças que não morreram... Assim foi em Copas do Mundo perdidas, nas Olimpíadas sem memória, mas também assim o foi nas esperanças de paz para o Oriente Médio, para o fim da fome em África cantando “We Are The World”, para o fim de guerras tribais pelos senhores da guerra na Somália e no Sudão, para o começo de um planeta melhor, mais verde e menos poluído, as lutas travadas pelo Greenpeace contra os países que caçavam baleias ou que poluíam os mares; eram os tempos em que se apregoava o verde dos ecologistas e mal sabíamos nós que os plásticos se tornariam uma praga maior que o petróleo... Nestes tantos anos de vida, aprendi que a dor de mãe se conjuga da mesma forma sofrida em todos os idiomas, sob todas as bandeiras, indistintamente do credo ou da religião, que Josué de Castro estava mais certo que Thomas Malthus e que Einstein foi mais longe do que qualquer outro cientista. Tive a oportunidade de vivenciar o mundo velho saído da Guerra Fria pautando as coisas que se julgavam configuradas ad eternum num arranjo maniqueísta dos “nós” contra os “eles” para um mundo onde nada mais é regularmente dividido ou classificado e onde o inimigo é anônimo. Passei do mundo que era mecanicamente determinista para o mundo quântico das incertezas; do mundo de sociedades clássicas e tradicionais moldadas em comportamentos inocentes para um mundo vigiado e controlado por máquinas de reconhecimento facial, previsto pelo Big Brother de George Orwell...

 
Na vida, não tive tudo o que queria viver, mas vivi tudo o que tive da vida. Talvez ainda me reste para viver o mesmo tempo de vida que já vivi, ou apenas mais alguns meses, dias ou horas. Quem sabe o quanto irei viver? O que importa é que procurei fazer de cada instante o ato derradeiro no teatro da vida, e em cada olhar, procurei enxergar além do horizonte o sonho que o Universo me concedeu e que todos os dias procuro agradecer. A minha vida foi a Estrada por onde caminhei e onde tantas coisas aprendi, ainda que muitas outras se tenham perdido pelo caminho. O que levo comigo são os momentos que vivi e os conhecimentos que adquiri como acervo de vida. O que ficou para trás foi o pó cósmico de onde vim e para onde voltarei.

 
MARIANO MENDONÇA LOPES

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